sexta-feira, 6 de julho de 2012

História sem fim: 'barriga santa' de Renato aguarda novos Fla-Flus Dono do gol de barriga de 95 e de passagem forte pelos clubes, Renato Gaúcho tem certeza de que viverá novos Fla-Flus. E pelos dois lados...


Os jogos de futevôlei em Ipanema impedem que Renato Gaúcho, quase um cinquentão, cultive um daqueles barrigões que uma penca de jogadores permitiu crescer em seu corpo depois da aposentadoria. Pelo contrário: o ex-atacante tem seus 49 anos denunciados apenas por um ou outro fio de cabelo branco na cabeça. Está em forma. Mesmo assim, não falta gente insistindo em pará-lo na rua para passar a mão em sua barriga -  como acontece com as grávidas. São pessoas com algo em comum: a paixão pelo Fluminense.
Justifica-se: o gol de Renato na decisão do Campeonato Carioca de 1995, quando a torcida do Flamengo já se permitia comemorar o título, ficou tatuado na memória dos tricolores. Acariciar a barriga dele, onde a bola desviou antes de entrar naquele chute de Aílton, é uma reverência dos torcedores à vitória histórica.
- É como se fosse uma bariga santa - brinca Renato.
Ídolo dos dois clubes no passado, com Fla-Flus marcantes pelos dois lados, o atacante virou treinador. E tem certeza de que não encerrou sua história no clássico que se torna centenário neste sábado. Renato não tem dúvida: voltará a treinar o Fluminense e ainda vai treinar o Flamengo.
Abaixo, acompanhe a íntegra da entrevista concedida por ele ao GLOBOESPORTE.COM no prédio onde reside, em Ipanema.
Renato Gaucho, FLA x FLU, Especial (Foto: Nelson Veiga)Renato tem certeza: voltará a viver Fla-Flus pelos dois lados como treinador (Foto: Nelson Veiga)
Você já disputou vários Gre-Nais, jogou o clássico mineiro e disputou todos os clássicos cariocas, por quase todos os clubes. O que o Fla-Flu tem de diferente?
É até difícil explicar. O Fla-Flu tem um charme todo especial. Quando eu jogava, todo mundo ficava mais ligado, todo mundo falava mais, o torcedor ficava mais entusiasmado. Não tem explicações. Ele tem um charme especial.
É um clássico que gostava de disputar mais do que os outros?
Clássico é sempre clássico. Sempre me dediquei em todos. Mas pela rivalidade, tanto do lado do Flamengo quanto do lado do Fluminense, ele é especial. Na minha época, o Maracanã ficava lotado. Já decidi campeonato jogando esse clássico. É uma coisa maravilhosa, especial. Eu tive o prazer de jogar vários Fla-Flus. Às vezes, você joga em um clube e não consegue jogar um Fla-Flu. Eu, graças a Deus, disputei e fiz história.
Desses 100 anos de Fla-Flu, você participou como jogador de quase dez. Que peso tem isso na sua carreira?
Tem uma importância muito grande. É um charme. São dois grandes clubes, duas grandes torcidas. Eu praticamente joguei por dez anos, de um lado e de outro. Entrei para a história, até mais pelo Fluminense, por causa daquele título de 95, da forma que foi. É uma coisa maravilhosa poder jogar por dez anos um clássico tão importante, que é o sonho de tantos jogadores. E muitos não conseguem concretizar esse sonho. Eu tive esse prazer de jogar vários clássicos. Estou na história tanto de um clube quanto de outro, e isso, para mim, é maravilhoso.
Para os torcedores e para a opinião pública, o Fla-Flu mais marcante de sua carreira é o da final de 95, com o gol de barriga. E para você? Também é o mais marcante?
Sem dúvida alguma. É, sim, porque foi a decisão do campeonato. O Fluminense foi campeão, eu fiz aquele gol de barriga e, sem dúvida, entrou para a história. Nesse jogo, eu fiz o primeiro gol, e ninguém fala do primeiro gol. Todo mundo fala do gol de barriga. Para você ver que não é só na minha cabeça: é na cabeça de todo mundo. Ficou muito marcado. É uma coisa que me orgulha. É importante jogar em um clube e fazer história.
Entrevistamos o Zico, e ele disse que sempre que encontra com você, diz que seu gol foi com a mão...
Ele pega sempre no meu pé. Ele é meu grande ídolo. Ele fala que foi de mão, e eu falo: "Não, a imagem da televisão mostra que eu tiro o braço, a bola bate na barriga e entra." Muitos tricolores ainda falam: "Quando te perguntarem se foi de mão, fala que foi de mão, fala que estava impedido." A rivalidade da torcida é muito grande. Eles adorariam que o gol fosse até roubado. Mas não foi. Eu não estava impedido, e o gol foi de barriga, não de mão. O Zico pega no meu pé até hoje, mas ele sabe...
Como reagem, ainda hoje, os torcedores de Fluminense e de Flamengo quando falam com você sobre aquele lance?
Os tricolores me agradecem até hoje, pedem autógrafo, fazem foto. A maioria coloca a mão na minha barriga. É como se fosse uma barriga santa. É uma forma de eles me agradecerem. Acho legal isso. Já a torcida do Flamengo me agradece por tudo que fiz pelo clube, mas sempre tem aquela restrição: "Pô, você não podia ter feito aquele gol de barriga contra a gente." É difícil explicar toda hora que sou profissional e que sempre que coloquei a camisa de um clube procurei dar o máximo de mim.
Os tricolores me agradecem até hoje, pedem autógrafo, fazem foto. A maioria coloca a mão na minha barriga. É como se fosse uma barriga santa"
Renato Gaúcho
É diferente jogar um Fla-Flu pelo Flamengo e jogar um Fla-Flu pelo Fluminense?
Clássico é sempre clássico. Talvez a rivalidade por parte do Fluminense seja um pouquinho maior. O Flamengo é praticamente sozinho contra Fluminense, Botafogo e Vasco. Vem daí, de repente, uma rivalidade maior por parte dos tricolores. Todo mundo quer ganhar do Flamengo, entendeu? É um clássico, é importante, mas por parte do Flamengo não tem tanta rivalidade quanto tem do Fluminense com o Flamengo.
Como foi jogar pelos dois clubes? Você era do Flamengo, adorado pela torcida, e de repente estava no Fluminense. Isso foi complicado? Teve muita pressão?
Uma grande coisa, muito difícil de conquistar, é ser ídolo. Eu consegui ser ídolo no Flamengo e no Fluminense. Consegui ser campeão no Fluminense e no Flamengo também. Ser ídolo de duas grandes torcidas é muito difícil. Isso, para mim, foi fundamental, me dá muito orgulho.
Com tanta história no Flamengo e no Fluminense, hoje você é um pouco mais rubro-negro, um pouco mais tricolor ou tem um empate técnico aí?
Tem um empate técnico...
Não pende para nenhum lado mesmo?
Acha que é mais ídolo de qual torcida?Não. Sempre fui profissional. Eu sou gremista. Nunca escondi isso de ninguém. Sempre fui gremista, praticamente me criei no Grêmio, comecei no Grêmio, ganhei tudo no Grêmio. Sou gremista. Tenho um carinho muito grande pelo Flamengo, assim como tenho um carinho muito grande pelo Fluminense. Não poderia ser diferente: joguei em um, fui ídolo, fui muito bem recebido sempre; joguei no outro, sempre fui muito bem recebido e fui campeão também. Então, não tenho por que falar que sou mais um ou outro. Tem empate técnico. É de coração isso. É muito difícil jogar nos dois clubes, conquistar títulos e conquistar as duas torcidas. Sou muito bem tratado pela torcida do Flamengo, como sou muito bem tratado pela torcida do Fluminense. Esse é meu orgulho. É isso que me deixa feliz. Pude jogar nos dois clubes, com essa rivalidade, e conquistei as duas torcidas.
Hoje, talvez, do Fluminense, porque é uma coisa mais recente. Meu último título foi pelo Fluminense. Depois, como treinador, conquistamos uma Copa do Brasil e tivemos aquela final da Libertadores. Foi uma coisa mais recente, e talvez esteja marcando mais. Mas não posso esquecer que joguei pelo Flamengo e ganhei três títulos.
Por que acha que já treinou o Fluminense repetidas vezes e ainda não treinou o Flamengo?
Talvez porque sempre que fui treinar o Fluminense o clube estava precisando de um treinador naquela época, e sempre que fui para o Fluminense, o Flamengo tinha um treinador. Somos profissionais. É a vida do treinador. Depende do momento, depende da oportunidade, depende da presidência do clube. Depende de vários treinadores.
Além do Fla-Flu de 95, quais são marcantes para você?
Por incrível que pareça, os que mais me marcaram foram em 95 (veja vídeo ao lado sobre a vitória de 3 a 1 do Fluminense sobre o Flamengo no Estadual daquele mesmo ano, com gol de Renato). Naquele campeonato, se não me engano, fiz oito gols. Os Fla-Flus foram todos importantes. E tivemos um final feliz com o título, da forma que foi.
Se aquela bola não tivesse entrado, se não tivesse batido em você, sua história no futebol teria sido diferente?
Claro. O Fluminense estava há nove ou dez anos sem ganhar um título. Acabou o jejum. Era muito sofrimento para a torcida. Nosso time jogou com alguns meses de salários atrasados. Era a primeira vez que eu estava jogando pelo Fluminense. Marcou muito, porque conquistamos o título. Você fica na história de um clube quando você ganha. Às vezes, você joga sete, oito, dez anos e não ganha nada. Você passa. Você não fez história no clube. Você só jogou. E, de repente, um jogador joga um ano, ganha um título e entra para a história do clube. Foi isso que aconteceu comigo. Joguei pouco tempo pelo Fluminense, mas entrei para a história.
O que lembra do instante em que fez o gol de barriga? O que pensou, ouviu, sentiu?
Renato gaucho fluminense campeão estadual 1995 (Foto: Luiz Morier / Agência Estado)Renato comemora o título estadual de 1995
(Foto: Luiz Morier / Agência Estado)
Passaram várias coisas na minha cabeça. O Flamengo tinha trazido o Romário, que era o melhor jogador do mundo. A torcida do Fluminense estava triste, sentida, porque fazia nove ou dez anos que não conquistava nada. Estávamos com salários atrasados, estávamos sofrendo muito naquele campeonato. O Flamengo jogava pelo empate. Passou um pouco de tudo... Foi um título a mais na minha carreira, fazendo dois gols. E quase não joguei aquele jogo...
Por quê?
Estava machucado, com um estiramento. Muita gente achava que eu não ia jogar. Estava há dez, 12, 15 dias parado. Nem eu sabia se ia jogar. De repente, achei que dava, e fui. Aí começou a chover pra caramba, e o campo ficou pesado, molhado. Para mim, era muito mais difícil, voltando do estiramento. Estava com medo de voltar a sentir a lesão. Passou muita coisa naquela hora na minha cabeça. Fazia um ano que minha filha tinha nascido. Foi muito importante aquele título...
Foi um jogo de superação?
Ah, foi. Foi... Muita gente achava que eu já devia ter parado. Foi um jogo de superação. Eu quebrei todos os obstáculos, porque sempre acreditei em mim, sempre confiei em mim, sempre tive uma personalidade muito forte. Passei sobre tudo e sobre todos. Sempre gostei de desafios na minha vida, porque superei quase todos eles. Nenhum ser humano sabe a que ponto pode chegar. Eu superei vários e vários obstáculos.
Essa desconfiança era só externa ou você também tinha?
Era só externa. Dentro de mim, nunca. Nunca. Tenho a palavra "confiança" dentro de mim desde que me conheço por gente. E vai morrer comigo. Confiança é tudo na vida da pessoa. E essa palavra não sai de dentro de mim.
Renato Gaucho, FLA x FLU, Especial (Foto: Nelson Veiga)Renato: 'Pode ser em breve, pode demorar, mas
vai acontecer' (Foto: Nelson Veiga)
Acha que vai voltar a viver Fla-Flus? Tem essa convicção? Ou essa história terminou?
Sem dúvida alguma. Minha vida de treinador vai continuar. Amanhã ou depois, posso estar no Fluminense, como posso estar no Flamengo. Isso faz parte da minha vida. Com certeza, vou viver Fla-Flus ainda. Sem dúvida alguma.
O que te dá essa confiança toda?
É a palavra confiança... Sei que um dia vou treinar o Fluminense ainda. Sei que vou treinar o Flamengo. Isso vai acontecer. Sou um profissional, e sei que isso vai acontecer.
Acha que será em breve?
Não sei. Pode ser em breve, pode demorar, mas sei que vai acontecer.
Como você define o Flamengo?
Renato Gaúcho Flamengo 1997 (Foto: Arquivo / O Globo)Renato: 'É muito difícil ganhar do Flamengo em 
uma final' (Foto: Arquivo / O Globo)
O Flamengo tem, e não temos que ficar em cima do muro, a maior torcida do Brasil. Ele se supera muitas vezes por causa da torcida. É por isso que é muito difícil pegar o Flamengo em uma final e ganhar. A torcida do Flamengo empurra o time durante os 90 minutos. É uma torcida apaixonada, que faz a diferença. E é exigente. Quer sempre ter um grande time. Os adversários sempre têm um gostinho maior de ganhar do Flamengo. O Flamengo é contra tudo e contra todos.
E como define o Fluminense?
O Fluminense tem uma torcida de elite. É um clube que tem aquela rivalidade com o Flamengo, mas é um clube da paz. A torcida não se expõe em termos de ficar discutindo, de brigar com outras torcidas. É um clube em que as pessoas pensam bastante, gostam do clube, torcem pelo clube, mas não gostam de confusão.
Quando assiste a um Fla-Flu pela tevê, como fica?
Sempre vou torcer pelo bom futebol, e onde houver um Fla-Flu, vai haver gols. Não vou torcer nem por um, nem por outro. Não vou torcer, até porque, como disse, sou gremista. Mas vou assistir, porque vai ser sempre um grande jogo. É sempre emocionante. Na maioria das vezes, tem bastante gol...
E não bate uma saudade de estar ali dentro?
Bate... Converso muito sobre esse negócio de saudade com o Zico. O sofrimento é muito grande, porque ele é treinador, e eu sou treinador. Ele foi um cracaço. Na beira do campo, o sofrimento é muito maior, porque você só pode passar as orientações e torcer para que dê certo. Como jogador, você pode fazer alguma coisa para mudar, pode tentar decidir. Fora, só pode torcer. É uma diferença muito grande. O sofrimento fora é muito maior.
Falando em Zico, o Fla-Flu deu a você a oportunidade de jogar com grandes craques, a favor e contra...
Joguei com o Zico... Meu grande sonho, quando cheguei ao Flamengo, era jogar ao lado do meu ídolo, que foi o Zico. Quando cheguei ao Flamengo, em 87, além de ter jogado com ele, conquistamos um Campeonato Brasileiro. Foi especial(relembre, no vídeo ao lado, a goleada de 5 a 0 do Flamengo sobre o Fluminense, em 1989, com um gol de Renato em passe de Zico, no jogo que marcou a despedida do Galinho).
Como vê os dois clubes hoje?
Independentemente da situação na tabela, o Fla-Flu é sempre Fla-Flu. Sempre tem aquela chance de dar um salto vencendo o clássico. O Flamengo está tentando se acertar no campeonato, e o Fluminense está um pouco melhor. Mas Fla-Flu é sempre Fla-Flu. Não importa a situação em que estão na tabela. É sempre um grande jogo, um grande clássico.
Acha que algum dia vai ter outro gol de barriga em um Fla-Flu ou isso é algo só seu?
A gente nunca pode falar que jamais vai ter, mas é difícil. Eu joguei durante quase 20 anos, e fiz só um gol de barriga. Mesmo que você queira fazer, é muito difícil. Quando a bola vem, você quer fazer o gol de formas muito mais fáceis, de cabeça, com o pé, até com o peito. Naquele gol, eu não tentei fazer de barriga...
O que tentou fazer?
Eu tirei o braço para a bola não bater. Automaticamente, ela pegou no meu peito e entrou. Por isso que falo que é muito difícil. Outro gol de barriga, olha, acho que nessa vida eu não vou ver, não...

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